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Protestos em São Paulo: reação a estado crônico de perturbação

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Flyp Basilio

Tenho lido opiniões e relatos diferentes e contraditórios sobre os protestos em São Paulo.

Boa parte deles são simplismos que atrapalham uma análise abrangente.
 
Alguns reduzem a indignação dos manifestantes a "puro vandalismo", como se nenhum dos indignados tivesse mais nada para fazer. Outros convocam todo mundo a "sair quebrando tudo", como se a fúria consertasse um mundo cujo maior tormento é precisamente a violência. Não estou em SP para ver por mim mesmo, mas, eliminando as generalizações do tipo 8 ou 80, e apesar dos efeitos colaterais lamentáveis de depredação e confronto, eu apoio os protestos. Acho que são justos e, infelizmente, necessários e urgentes.

A maioria dos manifestantes não está lá pelo prazer de dar pedradas nem pelo gosto de levar porrada. Tem manipuladores ideológicos no meio disso? Sempre tem. Tem partido político se aproveitando da situação? Sempre tem. Tem vândalos de verdade no meio dos manifestantes? Tem. Tem policial criminoso no meio da polícia decente? Sim.

Mas não é razoável reduzir toda a manifestação a uma "questão de 20 centavos", nem a vandalismo gratuito, nem a mera orquestração ideológica de quinta categoria; nem, por outro lado, canonizar todos os manifestantes, generalizar toda a atuação policial como pura truculência ou desqualificar tendenciosamente qualquer um que discorde dessa forma de protesto, como se a rua fosse o único cenário em que se pode protestar.

No meio da mistura de tudo um pouco, existe, sim, uma questão gritante de saturação, de esgotamento diante da exploração crônica e surda, que nos custa muito mais do que 40 centavos por dia. É claro que é uma pena ter chegado a este ponto, mas a opção de esperar sentados ou de protestar de-camiseta-branca-em-silêncio-à-beira-mar-com-rosas-na-mão nunca foi recompensada nem ouvida.

O ideal é reagir de modo pacífico, político, crítico, diplomático? É óbvio. Mas, com a deseducação programada que o Estado nos impõe e com a indiferença com que a opinião pública é tratada pelos governantes, quantas gerações demoraríamos para reagir dessa forma e conseguir bons resultados? A opção pela rua está perturbando a cidade? É evidente que está, mas esse "pico de transtorno", em perspectiva, é apenas mais um no cenário crônico de perturbação em que sobrevivemos há tempo demais. E é precisamente a esse estado crônico de perturbação que se está, finalmente, reagindo.

Mais relevante do que isto: já passa da hora, sim, de perturbar os verdadeiros causadores desta reação das ruas. Aqueles para quem a soma de milhões de "20 centavos" por dia sempre valeu muito mais do que adignidade de 200 milhões de brasileiros.

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