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Sobre a Perfeição Divina e as doenças genéticas

O leitor Basílio Fernandes enviou-nos algumas perguntas relacionadas às doenças genéticas, querendo saber como compatibilizar essa dura realidade com a fé que temos na Perfeição de Deus. Sendo Deus Perfeitíssimo, e se cremos que nós, seres humanos, fomos criados à sua Imagem e Semelhança, como explicar as doenças genéticas? Ele cita os casos de crianças que nascem com dois órgãos genitais, e, ao final de sua mensagem, acrescenta: "(...) Gostaria de saber se isso seria alguma mensagem/recado de Deus aos pais [de crianças com deformidades ou má-formações genéticas] pois creio que Deus faz tudo perfeito, mas, como explicar isso?"


A pergunta é realmente muito boa, Basílio, e tentaremos respondê-la satisfatoriamente. Segue...




ESSAS PERGUNTAS valem não só para as doenças genéticas mas também para toda e qualquer doença, no geral. Se formos só um pouco mais além, seguindo o mesmo raciocínio ou a mesma linha de questionamento, seria cabível perguntar: por que morremos? Se Deus nos criou à sua Imagem e Semelhança, e se Deus é perfeito e não falha nunca, como podem existir coisas como defeitos genéticos, doenças mentais, enfermidades crônicas e incuráveis...? E por que existe a morte, afinal?

No fundo, é a mesma e velha questão ancestral da chamada Teodiceia: se Deus é Bom e Todo-Poderoso, porque permite o mal? Já tratamos deste problema épico, numa postagem baseada numa belíssima obra do grande sacerdote Pe. Francisco Faus, que pode ser lida aqui. Neste post, falaremos especificamente do problema das doenças genéticas propriamente ditas.

Pois bem. Somos Imagem e Semelhança de Deus. Assim sendo, como podem existir seres humanos que padecem de problemas genéticos, isto é, que já nascem com graves defeitos de formação?

Através da Revelação Divina, somos capazes de conhecer realidades que jamais seríamos capazes de supor ou descobrir por nós mesmos. Pela Revelação, sabemos que Deus tinha um Plano, um Projeto para a humanidade, e este Projeto não incluía sofrimento, doença ou morte. Se olharmos para a natureza do homem é fácil perceber que somos seres especialíssimos: não encontramos nada nem remotamente semelhante ao ser humano, em toda a natureza. O cérebro humano, por exemplo é uma maravilha absolutamente incomparável.

E ainda mais maravilhoso é saber que a consciência humana não depende das capacidades cerebrais. Emblemático é o caso recente (2000), da menina Manuela Teixeira, que nasceu anencéfala, em Sobradinho (DF), e portadora de acrania (ausência de calota craniana). Mesmo assim, beijava e abraçava seus pais, gostava de tomar banho e vibrava de alegria ao tomar seu leite da tarde. Ao se aproximar da mãe, movia o rosto e abria a boca, mostrando os dentinhos, e inquietava-se ao ouvir a voz da mamãe. Manuela só morreu com três anos idade, contrariando todas as previsões dos médicos, no dia 14 de setembro de 20031. Apenas mais uma prova de que nossa consciência mais profunda não depende do cérebro, mas de algo que não pode ser medido nem analisado em laboratório.

Mas mesmo assim, apesar de toda a maravilha que é o ser humano, nós já nascemos “programados” para envelhecer, adoecer e morrer. Por que tem que ser assim? Parece cruel, e a ciência biológica e genética e a medicina, desde sempre, tentam reverter esse processo natural. De tempos em tempos, alguma publicação científica alardeia que homens de jaleco branco estariam próximos de descobrir e isolar o gene do envelhecimento, e que assim a humanidade caminharia aceleradamente rumo à imortalidade, ou quase isso.

Turritopsis Nutricula
Há não muito tempo, descobriu-se uma espécie de água viva, a Turritopsis Nutricula ou Turritopsis Dohrnii, que tem uma capacidade realmente assombrosa: esses espécimes simplesmente não padecem dos efeitos do envelhecimento, e simplesmente nunca morrem de velhos! São virtualmente imortais: estão livres dos processos biológicos (os quais não cabe tentar explicar aqui) que provocam a decadência celular e o envelhecimento. Além disso, são extremamente resistentes a ferimentos e agressões. A única maneira de ceifar a vida de um desses curiosíssimos animais é despedaçando-o. Cientistas acreditam que outras criaturas marinhas podem também compartilhar deste mesmo “dom da imortalidade”2. Algo que dá o que pensar...

Já o caso dos seres humanos é diferente: é como se nascêssemos para morrer. Nascemos, nos fortalecemos, crescemos, atingimos o ápice de nossas capacidades físicas e mentais em torno dos 30/40 anos de idade e então, a partir daí, passamos a perder vitalidade, um pouquinho mais a cada ano passa, até que... A "máquina" inacreditavelmente maravilhosa entra num definitivo processo de falência.

Do ponto de vista puramente biológico, a morte permanece um mistério, assim como é a existência das doenças para a sensibilidade humana. Inúmeras pessoas de fé ao redor do mundo sofrem com esse antigo dilema: se Deus é Bom e Todo-Poderoso, porque existem o mal e o sofrimento? Por que existem doenças? Entrando finalmente na questão trazida pelo nosso leitor, porque existem doenças genéticas?


O Pecado, a grande causa dos males do mundo

A morte entrou no mundo pelo pecado. Nós nascemos para a felicidade, para a saúde e para viver eternamente, e é por isso que não nos conformamos com as dores e sofrimentos, com as doenças e com a morte. Já os animais, que não possuem alma igual a dos seres humanos e não foram criados para a vida eterna (como vimos aqui), não têm consciência da própria finitude, e assim não sofrem com essas questões transcendentais. Os humanos são os únicos seres que sofrem com a própria finitude.

E da mesma maneira como a morte, também as doenças e todo tipo de desvio e imperfeição da natureza entraram no mundo pelo pecado. Nós não sabemos como seria a vida dos seres humanos sem o pecado. – Adão e Eva foram criados sem pecado, mas não resistiram à tentação do Inimigo. – A história da Queda do homem, nos primeiros capítulos do Livro do Gênesis, quer a interpretemos literalmente ou não, narra como os seres humanos, que foram criados inocentes, foram enganados. Houve um enganador, um embusteiro, um mentiroso, desde o princípio da nossa história: Satanás. E o homem pecou. Pecando, caiu, perdendo o Paraíso, a Intimidade com Deus e a vida eterna e plena que lhe havia sido preparada.

Quando o homem caiu na mentira de Satanás, o Pecado entrou no mundo. Interessante notar que São Paulo Apóstolo, na Carta aos Romanos, descreve esta realidade da seguinte maneira: Adão e Eva transgrediram; assim o Pecado entrou no mundo. Paulo usa palavras diferentes: uma para o pecado pessoal do ser humano, o pecado da desobediência e da transgressão; outra palavra para o Pecado que entrou no mundo. E que Pecado é esse que entrou no mundo? É Satanás, o inventor do Pecado.

Também é preciso notar que Jesus chama Satanás de “príncipe deste mundo” (Jo 12,31; 14,30; 16,11), e que a Sagrada Escritura afirma que “o mundo está no Maligno”, e que os seres humanos vivem agora sob a influência maciça e tirânica de nosso maior Inimigo (Jo 5,19; Ef 2,2).

O Pecado, que é uma invenção angélica, isto é, de anjos rebeldes, já havia sido inventado antes do homem. O que o homem fez foi aderir a ele, dando as costas para Deus; foi assim que a doença e a morte entraram no mundo. Vivemos, de certo modo, sob o jugo das ações de Satanás e seus anjos, que nos submetem. Pelo Pecado do homem, - crime infinitamente grave porque foi praticado contra Aquele que é infinitamente Bom e Santo, - estamos sujeitos a todo tipo de imperfeição neste mundo. Vivemos agora um período histórico de luta, no qual iremos, com a ajuda de Deus e de sua Graça, com a Redenção em Cristo, lutar contra esses inimigos. E o último inimigo que será vencido, conforme diz São Paulo, é a morte (1 Cor 15,26).

No Antigo Testamento havia o domínio do Pecado. No Novo Testamento, o Filho de Deus se faz homem e vem a este mundo para nos libertar deste domínio do Pecado, da doença, da morte... De todo mal, enfim. Assim como Jesus venceu a morte na cruz (embora ela continue a nos assolar enquanto estamos neste mundo), Ele derrotou também a doença. Os Evangelhos nos mostram, - e o evangelista faz questão de salientar isso, - que o Senhor curou pessoas de suas doenças crônicas, como a mulher que sofria de hemorragia e o cego de nascença. Ora, alguém que já nasce cego sofre de uma doença genética, evidentemente.

Jesus derrotou a doença, mas nós continuaremos lutando com ela até o dia definitivo da nossa Salvação. Da mesma maneira se dá com a morte, nossa última inimiga. Estes séculos em que vivemos, que se situam entre a Ressurreição de Cristo e o Dia do Juízo Final, são tempos de luta. É preciso que tomemos, cada um de nós, a nossa cruz, e sigamos o Salvador do Mundo.

Que sentido tem a doença? Como acabamos de ver, sabemos por Revelação Divina qual foi a sua origem. Mas sabemos também que toda a dor, sofrimento e confusão que vivemos neste mundo possuem algo de redentor. Nossa própria cruz, se a unimos à Cruz do Senhor, é redentora, é salvífica, nos conduz à Salvação e à Libertação final, um pouco mais a cada dia. Este é um grande mistério do cristianismo que, - muito lamentavelmente, - vem sendo esquecido pelos nossos pastores. A maioria dos padres, hoje, não fala mais no valor do sacrifício, não exalta mais a importância de se levar a cruz com coragem e disposição.

Quando tomamos a nossa cruz no dia a dia, estamos seguindo pelo Caminho da Redenção! Jesus disse a todos(atenção: a todos): “Quem quiser me seguir, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e me siga.” (Lc 9:23)! Hoje, porém, muitos católicos adotaram o discurso de falsos profetas e pregadores que ensinam uma tal “teologia da prosperidade”, que ensina exatamente o contrário do que disse Jesus! "Siga Jesus e você vai ficar rico", gritam eles, "Siga Jesus e você vai ter uma vida só de felicidades, sem doenças, sem tribulações, sem problemas!". Mas o Jesus que é Cristo, Filho do Deus Vivo, continua dizendo o mesmo que sempre disse: “Quem quiser me seguir, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e me siga”. Os homens interpretam e mudam a Palavra de Deus conforme seus desejos, mas o Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente (Hb 13,8).

Jesus venceu o Pecado, e com ele a doença e a morte, mas Deus permite ainda que soframos com todas essas coisas, porque (mesmo que não possamos compreender) é o melhor para nós. Já nascemos marcados pelo egoísmo e pelo Pecado, e se tivéssemos já, agora, uma vida livre de todo e qualquer sofrimento, certamente nos tornaríamos soberbos e nos esqueceríamos de Deus. Basta observar como os que mais sofrem são justamente, via de regra, os que têm mais fé e buscam mais a Deus.

Certas calamidades, que vemos neste mundo, nos levam a intimamente perguntar: “Por que Deus permite isto?”, mas o cristão verdadeiro nunca se esquece: este mundo, esta vida passageira, não é tudo; a morte não é o fim, pelo contrário, é o começo da vida verdadeira e eterna, e dentro desse contexto infinitamente maior, toda imperfeição que vemos aqui não tem importância praticamente nenhuma.

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1. TAHAN, Lilian. Ela desafiou a ciência. Correio Braziliense, Brasília, p. 29, 14 fev. 2003. Grifo nosso.
2. Conf. artigo da National Geographic "'Immortal' Jellyfish Swarm World's Oceans", disponível em
http://news.nationalgeographic.com/news/2009/01/090130-immortal-jellyfish-swarm.html
Acesso 4/12/013.

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Referência:
Pregação do Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Jr., disponível em
http://padrepauloricardo.org/episodios/por-que-existem-doencas-geneticas

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