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Bem-Aventurado Cardeal Newman



JOHN HENRY Newman nasceu em Londres (1801) e faleceu em Edgbaston (1890). Foi uma sacerdote da Igreja Anglicana que, por meio de uma busca profundíssima, no estudo, na oração, na meditação e contemplação das coisas de Deus, terminou por ingressar à Casa de Deus e integrar o Corpo Místico de Cristo, a Igreja Católica.

O grande cardeal Ratzinger, no ano 1990, escreveu, com o habitual brilhantismo, a propósito do centenário da morte de Newman: “Foi sua consciência que o conduziu, dos antigos laços e das antigas certezas, para o difícil e estranho mundo do catolicismo”. Vinte anos depois, em 2010, o mesmo Ratzinger, então Papa Bento XVI, beatificou o Cardeal Newman em Coventry, Grã-Bretanha, aos 19 de setembro, durante sua viagem à Inglaterra.
Como bom pensador, Newman viveu a sua fé de maneira inquieta, como quem procura incessantemente o autoaprimoramento e não se contenta com menos que a Verdade (que é o próprio Cristo), e em suas inquietações sempre estiveram entrelaçadas fé e razão. À época da beatificação do Cardeal inglês, a escritora italiana Cristina Siccardi, autora do livro "Nello specchio del cardinale Newman" (No espelho do Cardeal Newman, 2010, ed. Fede e cultura), que escreve também para vários meios de comunicação católicos da Itália, concedeu entrevista à agência Zenit, na qual revelou diversas facetas interessantes a respeito de seu biografado. Reproduzimos, a seguir, a atemporal entrevista:

A infância de Newman
John Henry Newman era o primogênito dos seis filhos do casal John Newman e Jemina Fourdrinier. Nasceu em Londres e foi batizado na Igreja anglicana de Saint Bennet Fink.
Seu pai, um homem empreendedor, foi subindo de posição social até que se tornou banqueiro. Mas depois de vários anos de êxito, veio a derrocada. Foi o próprio John Henry que teve de manter toda a sua família quando frequentou a Universidade de Oxford. 
“Fui educado durante minha infância para ter o grande prazer de ler a Bíblia, mas não tive sólidas convicções religiosas até os 15 anos”: assim Newman abriu o segundo parágrafo de sua obra-prima, intitulada Apologia pro vita, a história de suas convicções religiosas, que escreveu em 1864 para combater quem, à raiz de sua conversão, o atacava ferozmente.
Um dia, na ermida de Littlemore, onde se converteu, encontrou e folheou um velho caderno seu de escola. Na primeira página encontrou, maravilhado, um emblema que lhe cortou a respiração: tinha desenhado a figura de uma cruz robusta e, atrás, uma figura que representava um rosário com uma pequena cruz unida a este. Naquele momento tinha só dez anos. Estas imagens não teriam por que terem sido desenhadas a lápis por Newman, devido à aversão que os protestantes têm às imagens sacras.

Newman e os Padres da Igreja
No ano 1826, quando ainda era anglicano, Newman decidiu estudar com um método sistemático os Padres da Igreja (a Patrística), e (como ocorre no caso de diversos protestantes que se convertem ao catolicismo) nasceu daí um grande amor. Em primeiro lugar, examinou-os sob a ótica protestante; depois, em 1835 e 1839, retomou o estudo a partir de uma ótica mais parecida com a do catolicismo (ainda que ele não o soubesse). 
Em uma carta a seu amigo Pusey, Newman disse: “Não me envergonho de basear-me nos Padres, e não penso em de forma alguma me afastar deles. A história dos seus tempos não é para mim um almanaque velho. Os Padres me fizeram católico e eu não pretendo me afastar da escada pela qual subi para entrar na Igreja”.
Os Padres da Igreja foram para Newman seu grande amor. Neles, encontrou a resposta às persistentes perguntas religiosas e de fé que o torturaram durante 44 anos, até que, aos 9 de outubro de 1945, foi acolhido na Igreja Católica pelo padre Domenico Barberi, passionista italiano que foi beatificado por Paulo VI em 1963.

Sobre a conversão ao catolicismo
A conversão chegou através de um cansativo percurso intelectual e espiritual. Sua biografia identifica-se com a elaboração do pensamento e com o empenho da alma. John Henry Newman está situado entre os grandes pensadores, filósofos e teólogos da história da humanidade. Sua bibliografia, que se têm edificado no mundo no transcurso dos 125 anos desde sua morte, é enorme.
Com espírito de explorador, atento e escrupuloso, pesquisou o interminável nó de caminhos que é o protestantismo. Primeiro como calvinista, depois como anglicano, para depois chegar com alegria à Igreja edificada pelo próprio Cristo sobre o Apóstolo Pedro, como pôde experimentar também outro convertido excepcional: Santo Agostinho. Newman comportou-se como o capitão que governa seu navio de guerra com destreza e competência e, sem trégua alguma, alcançou, com grande humildade e sobretudo com zelo, a meta desejada.
Newman, apesar de dar especial importância ao valor da amizade e aos laços profissionais, quando viu e compreendeu a Verdade, e ao mesmo tempo onde estava, não se preocupou com mais nada nem com ninguém, e abandonou tudo e todos, assim como fizeram os Apóstolos. Seus amigos anglicanos compreenderam que tinham perdido um grande homem: alguns lamentaram; outros o julgaram ferozmente; outros, em contrapartida, o apoiaram.
O elogio mais belo, a nosso parecer, que lhe deram em vida, foi a carta que Edward Pusey enviou a um amigo:

Deus está ainda conosco e nos permitirá seguir adiante, apesar desta grande perda. Não devemos esconder sua importância, porque foi a maior perda que tivemos. Quem o conheceu sabe bem dos seus méritos. Nossa igreja não soube se beneficiar. Era como se uma espada afiada dormisse em sua bainha porque ninguém sabia empunhá-la. Era um homem predestinado a ser um grande instrumento divino, capaz de realizar um amplo projeto que restabelecesse a Igreja. Foi-se – como todos os grandes instrumentos de Deus – inconsciente de sua própria grandeza. Foi-se para cumprir um simples ato de dever, sem pensar em si mesmo, abandonando-se completamente nas mãos do Altíssimo. Assim são os homens em quem Deus confia. Poder-se-ia dizer que se transferiu para outra área da vinha, onde pode utilizar todas as energias de Cardeal sua poderosa mente.”

Os ataques
Certamente partiram da Igreja anglicana, dos intelectuais protestantes e também da própria Igreja católica(!). Os primeiros o consideravam um traidor, os segundos, alguém de quem se deve desconfiar. Também alguns católicos na Irlanda estiveram contra: ele foi removido do cargo de reitor da Universidade de Dublin. John Henry Newman escreveu a Apologia pro vita justamente para se defender dos ataques dos intelectuais. Este livro engendrou muitas conversões. Recordemos que o Papa Leão XIII afastou muitos rumores maliciosos, quando concedeu a Newman o barrete cardinalício.

A beatificação de Newman
 em uma sociedade onde reina o relativismo moral e intelectual
O Cardeal Newman combateu sincera e lealmente o liberalismo, trazendo, com seu método sistemático e analítico, um dos perfis mais reais daquela Europa em fase de corrupção, de abandono da civilização cristã e de agonizante apostasia. Conseguiu identificar as conotações de secularização e relativismo de nossos dias, fruto da presunção que já os gregos pagãos, depositários de verdadeiras sementes do Verbo, definiam übris (ύβρις = a arrogância de quem não se submete aos deuses), ou o que é o mesmo, a ideia de antepor os lugares comuns supostamente racionais da própria época à razoabilidade e racionalidade da Tradição.
Newman, de quem, como disse o cardeal Ratzinger em 1990, “pertence aos grandes doutores da Igreja”, esse grande cavalheiro do século XIX inglês, alcançou a Verdade quando tinha 44 anos, depois de décadas de estudo e aprofundamento. Com valentia, forçou sua própria mente para entender, indagar, sondar os meandros da História, da Filosofia, Teologia e descobrir finalmente a Pedra Preciosa. Assim, diz: “Vi meu rosto naquele espelho: era o rosto de um monofisista, o rosto de um herege anglicano, e o descobri quase com terror!”.
O epitáfio na tumba do futuro beato Newman, cuja vida é das provas mais evidentes e concretas de que a razão pode se unir à fé para trazer ao mundo a Igreja de Jesus Cristo, a única Verdade que leva à salvação eterna, fala sobre a relação entre crer na verdade e ser livre: “Se permanecerdes em minha Palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres” (Jo 8,31-32). John Henry Newman  é o modelo que a Igreja propõe aos cristãos e aos católicos para seguir: foi uma resposta claríssima do Papa Bento XVI ao mundo relativista.

[Fim da entrevista com  Cristina Siccardi]



Newman foi nomeado Cardeal pelo Papa Leão XIII (1879). Abaixo alguns momentos importantes de sua vida tais como narrados pelo próprio Papa Bento XVI na homilia do dia de sua beatificação:
A conversão [do Cardeal Newman] ao Catolicismo, exigiu-lhe o abandono de quase tudo o que lhe era caro e precioso: os seus haveres e a sua profissão, o seu grau acadêmico, os laços familiares e muitos amigos. A renúncia que a obediência à verdade, à sua consciência, lhe pedia, ia mais além ainda. Newman sempre estivera consciente de ter uma missão para a Inglaterra. (…) Em Janeiro de 1863, escreveu no seu diário estas palavras impressionantes:
'Como protestante, a minha religião parecia-me miserável, mas não a minha vida. E agora, como católico, a minha vida é miserável, mas não a minha religião'."

O Cardeal Newman se referia à postura de total humildade e quebrantamento diante de Deus que só a aprendeu a ter sob a tutela da sã Doutrina Católica, e que é totalmente diferente da sua antiga maneira protestante de pensar, quando já "se achava salvo" e era muito seguro. – A intercessão do Beato Cardeal John Newman é uma importante ferramenta para todos os católicos que possuem amigos, parentes ou entes queridos que não acolhem a verdadeira Igreja de Cristo. Através dele podemos pedir ao Senhor que a luz da Verdade se acenda em seus corações. 

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Fontes:
ZENIT, "O cardeal Newman e a busca da verdade", disponível em:
http://www.zenit.org/pt/articles/o-cardeal-newman-e-a-busca-da-verdade

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