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Como ser constante na oração?



Por Felipe Marques – Assoc. São Próspero e Movimento Somar para Vencer

MUITOS CATÓLICOS vivem em um dualismo que faz com que se perguntem: “devo separar um tempo especial para a oração dentro do meu dia, ou, devo apenas trabalhar e agir sem cessar?” A resposta é: devemos unir os dois! No Evangelho segundo S. Mateus, Jesus diz: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação.” (26, 41), e na Primeira Carta aos Tessalonicenses, S. Paulo afirma que devemos “orar sem cessar” (5, 17).

Visto que não devemos cessar de rezar, como então é possível cumprir com o trabalho que deve ser realizado? Como conciliar a vida de oração com os compromissos e tarefas do dia a dia? É simples, basta transformar o trabalho e as tarefas em oração!

Os católicos devem ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13-14), esse chamado é evidenciado pela Constituição Dogmática Lumen Gentium1, que deixa claro que os leigos também têm o seu papel na obra de salvação do mundo realizada por Cristo através da Igreja Católica, e, por isso precisam assumir suas responsabilidades com mais fervor e não deixar tudo apenas para Padres, Religiosos e Consagrados. Para melhor compreender esse chamado, vejamos alguns de seus pontos:

31. Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado religioso reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Batismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja e no mundo. (...) Por vocação própria, compete aos leigos procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e atividade terrena, e nas condições ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que tecida a sua existência. São chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de dentro, como o fermento, e deste modo manifestem Cristo aos outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela irradiação da sua fé, esperança e caridade. Portanto, a eles compete especialmente, iluminar e ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que elas sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor.

(...)

33. Unidos no Povo de Deus, e constituídos no corpo único de Cristo sob uma só cabeça, os leigos, sejam quais forem, todos são chamados a concorrer como membros vivos, com todas as forças que receberam da bondade do Criador e por graça do Redentor, para o crescimento da Igreja e sua contínua santificação. O apostolado dos leigos é participação na própria missão salvadora da Igreja, e para ele todos são destinados pelo Senhor, por meio do Batismo e da Confirmação. E os sacramentos, sobretudo a sagrada Eucaristia, comunicam e alimentam aquele amor para com Deus e para com os homens, que é a alma de todo o apostolado.
Mas os leigos são especialmente chamados a tornarem a Igreja presente e ativa naqueles locais e circunstâncias em que só por meio deles ela pode ser o sal da terra (112). Deste modo, todo e qualquer leigo, pelos dons que lhe foram concedidos, é ao mesmo tempo testemunha e instrumento vivo da missão da própria Igreja, «segundo a medida concedida por Cristo» (Ef. 4,7).
Os leigos também são chamados a trabalhar e rezar pela santificação do mundo e podem se espelhar especialmente no lema dos Monges Beneditinos, que diz: “Ora et labora!”, traduzido para o português como: “Reza e trabalha!”.

Para poder transformar o trabalho em oração, é necessário que os católicos não vejam o trabalho como castigo divino imputado ao ser humano devido ao Pecado Original. Não!O trabalho não é castigo, é antes ferramenta de santificação para o católico, desde que não se torne um "ídolo" e não seja indigno da pessoa humana, e que aquele que trabalhada mantenha sempre em mente que o trabalho é um meio e não um fim em si mesmo. (Para aprofundar no assunto, leia-se a enc. Rerum Novarum2 e a Doutrina Social da Igreja3, ambos disponíveis gratuitamente na internet).

Nessa tarefa de transformar o trabalho em oração, São Josemaria Escrivá nos auxilia muito com diversos ensinamentos, eis alguns deles:

Põe-me louco de contente essa certeza de que eu, manejando o torno e cantando, cantando muito – por dentro e por fora –, posso fazer-me santo... Que bondade a do nosso Deus!"
(Sulco, 517)

"Tens de permanecer vigilante, para que os teus êxitos profissionais ou os teus fracassos - que hão-de vir! - não te façam esquecer, ainda que seja só momentaneamente, qual o verdadeiro fim do teu trabalho: a glória de Deus!"
(Forja, 704)

"Trabalhemos, e trabalhemos muito e bem, sem esquecer que a nossa melhor arma é a oração. Por isso, não me canso de repetir que havemos de ser almas contemplativas no meio do mundo que procuram converter o seu trabalho em oração."
(Sulco, 497)

"Interessa que lutes, que arrimes o ombro... De qualquer modo, coloca os afazeres profissionais no seu lugar: constituem apenas meios para chegar ao fim; nunca podem tomar-se, de modo nenhum, como o fundamental. Quantas "profissionalites" impedem a união com Deus!"
(Sulco, 502)

(...) Bem podem alcançar os êxitos mais espetaculares no terreno profissional, na atuação pública, nos afazeres profissionais, mas se se descuidarem interiormente e se afastarem de Nosso Senhor, o fim será um fracasso rotundo.
(Amigos de Deus, 12)

É preciso se espelhar em Nosso Senhor Jesus Cristo que nunca perdeu intimidade com O Pai e o Espírito Santo (as 3 Pessoas da Santíssima Trindade, Um só Deus), mesmo durante os 30 anos de vida oculta que foram vividos, em grande parte, dentro de uma oficina em Nazaré exercendo o ofício da carpintaria, em que os menores atos foram feitos com amor sublime para com Deus. Devemos encontrar um equilíbrio na vida que permita transformar o trabalho em um caminho de santificação para maior glória do Senhor, sem jamais deixar de lado os momentos particulares de intimidade com Deus e prática da oração mental!

Deve-se valorizar o pouco e pequeno, como diz São Josemaria: "Persevera no cumprimento exato das obrigações de agora. Esse trabalho – humilde, monótono, pequeno –, é oração plasmada em obras que te preparam para receber a graça do outro trabalho – grande, vasto e profundo –, com que sonhas (Caminho 825).

Além de ter um carinho todo especial para com os deveres de cada dia, o católico nunca pode se esquecer que o relacionamento que nutre com Deus é pessoal, porque adoramos um Deus Pessoal. Em muitos filmes e estórias, Deus é mostrado como uma "energia" ou uma "força" impessoal que age no mundo. Essa não é a verdade da Fé cristã. O Criador não nos fez e abandonou a nossa própria sorte. Antes, nos criou e ainda nos sustenta, a cada instante!

Quando interagimos com Deus, devemos nos lembrar que estamos interagindo com Alguém que ama e que, mesmo sem precisar de nosso amor, deseja ser amado por nós. Nosso amor para com o Senhor é sempre uma resposta ao Amor que Ele nos dá em primeiro lugar. Assim como muitos casais se organizam durante dias e horas, agendando e planejando encontros, o católico deve também planejar momentos especiais de intimidade com Deus.

Quanto mais há diálogo e encontro em um relacionamento, mais ele se fortalece, e quanto mais faltam esses fatores, mais o relacionamento se definha. Isso também é válido para o católico que quer ter uma vida de Intimidade real com Deus, sem farisaísmos. Além de evitar a soberba e o exibicionismo, Jesus Cristo também quis ensinar que devemos ter familiaridade com Deus e que há uma forma correta de nos relacionarmos com Ele, principalmente no Evangelho segundo S. Mateus 6, 6: “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, te recompensará”.

Para que esses momentos existam, é necessário planejamento. Sim, planejamento! Ora, tanto se planeja para a realização de viagens e outros projetos, por que não deve haver planejamento para o assunto mais importante de todos – o centro da vida do católico –, isto é, Deus? É preciso organizar, durante o dia, quais momentos serão separados especialmente para o encontro com o Senhor: durante a manhã, antes de ir para o estudo ou trabalho; na parte da noite, antes de dormir. Desligam-se as televisões e celulares e então aplica-se tempo para uma real conversa com O Grande Amigo.

Enfim, dentro de sua agenda, o fiel deve se organizar e lutar para ter encontros com Deus. Encontros reais que podem ser concretizados através das seguintes práticas:

1) Oração mental: abrir-se diante de Deus, mentalmente, em um diálogo sincero e sem reservas e medos;
2) Oração do Santo Terço e/ou do Santo Rosário;

3) Leitura dos Santos Evangelhos;
4) Leitura das biografias dos Santos;
5) Leitura de escritos de Santos;
6) Adoração ao Santíssimo Sacramento.

Não se pode esquecer também que, como grande Auxiliadora junto ao Cristo, devemos contar sempre com Nossa Mãe, Maria Santíssima, e recorrer a ela para que possamos, através do seu exemplo, fazer sempre a Vontade de Deus. Eis o que São Luís Maria Grignion de Montfort ensina, na página 115 de sua obra, práticas de devoção à Nossa Senhora que nos auxiliam na intimidade com Deus:

Rezar o Ofício da Santíssima Virgem, tão universalmente aceito e recitado na Igreja. Ou o pequeno Saltério de Nossa Senhora, composto por São Boaventura em sua honra e que é tão terno e devoto que não se pode rezar sem comoção. Ou quatorze Pai-Nossos e Ave-Marias em honra das suas catorze alegrias. Enfim, podem rezar-se quaisquer outras orações, hinos e cânticos da Igreja, tais como: o 'Salve Rainha', o 'Alma Redemptoris Mater', o 'Ave Regina Coelorum', ou o 'Regina Caeli', segundo os diferentes tempos, o 'Ave Maris Stella', o 'O Gloriosa Domina', o 'Magnificat' ou outras fórmulas de devoção das quais os livros estão cheios(...)”4

Lembrando sempre que convém antes ter poucas devoções, e ser fiel nelas, do que ter várias devoções e não as praticar. Como ensina Nosso Senhor Jesus: “Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito” (MT 25, 21).

Devemos tomar muito cuidado também com a armadilha do ativismo. É necessário entender que a oração precede a ação e Deus não quer ativistas, mas sim, filhos e filhas que sejam discípulos. Como ensina o papa emérito Bento XVI: “Sem a oração cotidiana vivida com fidelidade, o nosso fazer se esvazia, perde o sentido profundo, se reduz a um simples ativismo que, no final, nos deixa insatisfeitos. (...) Cada passo da nossa vida, toda ação, também na Igreja, deve ser feita diante de Deus, à luz da sua Palavra”5. Isto é visível também na obra intitulada "A alma de todo apostolado", de Dom J. B. Chautard, que ensina que “a vida interior é condição para a fecundidade das obras”6.

Contemos com o auxílio da Theotokos, que de tão intima de Deus se tornou a Mãe do Salvador, sabendo que, como S. Luís Montfort ensina: “Foi por intermédio da Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por meio dEla que deve reinar no mundo”4.

Acolhendo de tal modo a Palavra de Deus (Jesus), que possamos "gerar" o Cristo em nosso íntimo e clamar como filhos: "Abba! Pai!". Sendo sempre perseverantes no pouco, pois “começar é de todos; perseverar, de santos. Que a tua perseverança não seja consequência cega do primeiro impulso, fruto da inércia; que seja uma perseverança refletida”7.

________
Notas e referências:
1. Constituição Apostólica Lumen Gentium, disponível em: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html
2. Carta Encíclica Rerum Novarum do papa Leão XIII, disponível em: http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html
3. Doutrina Social da Igreja, disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html
4. Montfort, São Luís Maria Grignion de. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. 44 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2014
5. Bento XVI: Sem oração a vida se converte em ativismo que sufoca e não satisfaz, disponível em: http://www.acidigital.com/noticias/bento-xvi-sem-oracao-a-vida-se-converte-em-ativismo-que-sufoca-e-nao-satisfaz-43392/
6. Disponível para compra pelo site da Cultor de Livros, link: http://www.cultordelivros.com.br/produto.php?id=628672
7. São Josemaria Escrivá. Caminho 983.

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